domingo, 20 de janeiro de 2008

TIBÚRCIO CRAVEIRO "O POETA DO HORROR"

















"Os encantos do horror só embriagam os fortes”
Charles Baudelaire

O culto ao horror profundo é coisa velha, tudo o que nós pensarmos a respeito, com certeza já foi visto por outras personalidades artísticas muito excêntricas por sinal. O que de fato aconteceu com relação à essência do horror foi que atualmente ele caiu na especulação barata da mídia com tendência à imbecilidade comum, assim no disparate de uma falta de conhecimento aprofundado de uma questão tão complexa, o homem moderno degenerou de maneira abusiva o fundamento primordial desta grande arte, que é lamentável...Revirando meu pequeno arquivo como de costume, deparei-me com a genial obra de Pires de Almeida intitulada “Escola Byroniana”. São documentos raros que foram publicados pela primeira vez no “Jornal do Comércio” do Rio de Janeiro entre os anos de 1903 e 1905, tratando estes de nomes e obras inéditas de poetas desconhecidos do grande público, sobre a época do Movimento Romântico no Brasil. Tinha em minhas mãos um grande aparato de gigantesco valor histórico e cultural dentro do contexto do horror. Afinal, ali estão escritas informações dos mais variados gênios desta arte. Entre os nomes ali registrados, Tibúrcio Antonio Craveiro foi o que mais chamou-me a atenção, não somente pelo grau de sua mórbida excentricidade, mas também pela ideologia da sua filosofia de horror profundo.Literalmente falando, tomo a liberdade de profanar o túmulo do poeta, de remexer no seu sepulcro citando seu nome e obra adormecidos no silêncio do nada que é o esquecimento. Após muito mais de 150 anos, alguém desperta seu espectro atormentado de poeta byroniano como quem lhe presta homenagem em memória...Antonio Craveiro, como era mais conhecido, nasceu em 4 de maio de 1800 na cidade de Angra do Heroísmo. Teve uma adolescência obscura voltada para a solidão. Aos vinte anos, viu-se atraído pelas idéias liberais, viajou para a Inglaterra onde obteve contato também com toda a produção literária da época. Byron foi um dos nomes que definitivamente influenciariam o jovem poeta que vivia confinado na leitura das obras de Voltaire e Racíne, Filinto Elisio e Rousseau. Em 1826, veio para o Rio de Janeiro. No Brasil seu talento consagrou-o ao cargo de professor do ensino público, sendo mais tarde eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Sua vida pública reconhecida pela sociedade era uma coisa, outra coisa era sua vida privada, quando Tibúrcio Craveiro confinava-se em seu gabinete de estudo para traduzir obras raras dos seus escritores prediletos ou escrever suas próprias obras. Entregava-se à contemplação e estudo do horror, como de costume.Em seu gabinete de estudo, como relara Pires de Almeida em 5 de fevereiro de 1905, podia-se encontrar objetos como uma pequena guilhotina para cortar a ponta dos havanos que saboreava na hora do spleem, fumava como Byron em pose de irreverente cético, zombando de Jeová como um répobro descrido de tudo.Erudito nas suas pesquisas voltadas para o horror, colecionava estranhos objetos como crucifixos roubados de cemitérios, caveiras humanas que ele tinha por capricho de envernizá-las, e as usava para poder acender velas durante à noite, onde permanecia até a madrugada escrevendo e conversando consigo mesmo.Sua mesa era uma lápide de um túmulo roubada da necrópole. Pertencia à uma bela jovem que havia falecido prematuramente. A macabra mesa, já um pouco desgastada pela ação do tempo, inspirava o poeta a mergulhar no lúgubre mistério da própria morte. Em volta, forrando as paredes, estendiam-se desenhos e estampas raras com cenas cruéis de torturas medievais e do Santo Ofício. Gravuras da “Divina Comédia”, em especial, o inferno. Cenas de grandes genocídios e massacres sangrentos de guerra onde destacavam-se pela idéia do barbarismo exagerado da própria história da humanidade. Destacavam-se também desenhos e nomes de cemitérios junto à imagens sobre a peste negra que devastou a Europa na Idade Média.Tinha em particular profundo interesse por magia negra e feitiçaria, juntando um material significativo a este respeito como livros contendo orações, encantamentos e métodos de se fazer o pacto com o diabo, vodu, malefícios de cera, esconjuros, sacrifícios com sangue, missas negras, orgias, etc. Esta sinistra sala de estudos guardava relíquias que poucos acadêmicos ousaram colecionar, como por exemplo frascos contendo venenos mortíferos das mais diversas variedades, além de armas bizarras feitas em aço como punhais afiados, lâminas enferrujadas, navalhas e facas pontiagudas, além de espetos de ferro e canivetes com os cabos muito bem entalhados, artisticamente falando.Tudo ali completava o sinistro cenário do louco que debruçava-se horas à fio na tradução inédita de Byron, por exemplo. E “Lara” foi uma das obras por ele traduzida do original em inglês para o português:“Tem tudo num desprezo de contínuo como quem já passara o mais funesto. Parece um forasteiro pelo mundo ou fantasma, que os túmulos lançaram de sombrio pensar como quem busca riscos por gosto, e apenas lhes escapa.”As estrofes fervorosas compostas pelo labarum da civilização, modelo apolíneo de toda idéia de horror gótico levado a um extremismo fantasmagórico ou satânico, impunha seu respeito e grandeza também para a língua portuguesa através do esforço de Tibúrcio Craveiro, um afeiçoado byroniano que dedicou boa parte da sua vida adulta na mais profunda produção de material literário ligado à melancolia romântica. E prosseguia Tibúrcio Craveiro na tradução de Byron:“Meia-noite, repousa tudo, a lâmpada tem erma luz lutando com as trevas...”A hora das bruxas e dos vampiros, espectros e demônios, criaturas malfazejas parecem imporem uma imediata realidade sobrenatural onde a insignificante luz da chama de uma lâmpada (lamparina ou vela para a época) parece relutar com as trevas espessas da noite onde reina em absoluto a solidão e o silêncio... Distante da turba, o poeta parecia mergulhar no universo byroniano transformando a inspiração num novo método de absorver as principais idéias. Criando um novo e mais lúgubre universo, o chamado Craveriano, muito mais complexo e sinistro no que diz respeito ao horror. Afinal, pelas paredes e tetos também costumava desenhar imagens de esqueletos, múmias, caveiras, cabeças decepadas de índios massacrados nos conflitos aqui nas Américas, com os espanhóis em especial, e os portugueses.As obras catalogadas por Tibúrcio Craveiro diziam a respeito de grandes desastres que assolaram o mundo como terremotos, epidemias de doenças, erupções vulcânicas com excessivo contingente de vítimas, e toda sorte de horror em grande escala.Também como já citei, a tortura tinha um registro presente em todo este arsenal maquiavélico onde os principais métodos de crueldade eram inspiração para projetar outras maneiras ainda não exploradas da maligna prática.É realmente curioso, afinal o que leva um indivíduo genial a colecionar objetos e símbolos tão hediondos que invocam a mancha negra do mal encravada na alma dos homens?Realmente é assustador Ter um vizinho assim, estranho ao mundo e ao belo que a vida pode oferecer, ainda que utópico e enganoso do ponto de vista da realidade e felicidade, duas palavras que jamais poderão ser sinônimos!Indivíduo raramente acompanhado com a imagem agradável de uma bela mulher. Parecia que aqui também havia uma mágoa rancorosa e profunda...Com certeza é quase impossível compreender o temperamento desta figura tão rara e curiosa ao mesmo tempo, que também era um profundo conhecedor de demonologia, material raro produzido pelo papa urbano.Tinha um projeto que ele mesmo achava ousado, pois a idéia era formar futuramente uma seita byroniana de escritores, onde os mesmos pudessem se reunir numa estalagem denominada “A caverna do sangue”, um nome nada convidativo para uma visitação... Ali poderiam ser praticadas todas as experiências de natureza mais ousada, como missas negras, sabás medievais seguido de orgias luxuriosas com prostitutas dispostas à empreitada sinistra, reuniões onde cada integrante pudesse colaborar com doações de livros raros e garrafas de bebidas como vinho, conhaque, cognag, etc.Mas a idéia parece ter ficado só em projeto pois não se encontraram ainda registros sobre estas reuniões, muito menos obras produzidas por estes loucos. Parece que o título “A caverna do sangue” ficou mais relacionado ao próprio aposento do poeta, que em cada peça ali guardada parecia invocar todas as chagas de câncer incuráveis da humanidade.Com o passar do tempo, Tibúrcio Craveiro foi tornando-se definitivamente um ser anti-social, desligando-se das principais instituições públicas que participava. Afastou-se também do convívio humano, característica de todo byroniano brasileiro, tragado por profundas melancolias oriundas da própria reflexão filosófica de indivíduos desta natureza. Já doente, seu semblante tornara-se carrancudo, mal encarado, lembrava o ídolo Maloch, deus pagão, onde sacrificavam crianças ao seu culto, na Mesopotâmia.Sofrendo de uma enfermidade, voltou à Europa para encontrar um diagnóstico para o seu mal, mas encontrando dificuldades, sua doença agravou-se. Mesmo doente, publicou um “ensaio sobre a tragédia”, em Lisboa no ano de 1843, depois partiu para Açores em julho de 1844.Seu espírito inquieto de byroniano louco, excêntrico de um extremismo romântico impressionante, agora também tomado por dois males distintos e significativos, sua enfermidade, a epilepsia seguida de graves complicações, e o amor, a paixão ardente por uma bela mulher, impossível de conquista. Estes dois fatores fatais somaram-se para dar um fim no poeta. Tibúrcio Antonio Craveiro suicidou-se, seu corpo foi desembarcado na ilha de São Jorge, onde foi sepultado.Por fatalidade, a maioria de seus escritos voltados para a filosofia e a literatura gótica e romântica, extraviaram-se perdendo-se com o passar do tempo.Seu próprio nome ficou no anonimato, talvez mesmo como se fizesse valer seu próprio desejo de desdém e indiferença a um mundo traiçoeiro e repleto de males, onde jaz infalivelmente a civilização que chafurda numa impressionante escalada para a infelicidade geral.Sua sensibilidade de poeta fez com que o mesmo estudasse os males do mundo, não por ele ser um monstro, mas o mundo externo apresentar motivos de sobra onde o horror é sempre horror...Que sua alma de poeta repouse no Parnaso onde junto com todos os outros escritores possa nobremente encontrar o sono merecido.Fica neste escrito o registro de homenagem de um homem que há mais de 150 anos já estudava e se identificava com a arte do horror, que hoje é um culto significativo em quase todo o mundo. Através não só de obras literárias mas também do cinema, revistas, gibis e fanzines de alto nível especializados no assunto.Se Tibúrcio Craveiro vivesse hoje, com certeza seria um dos nossos...
Marcos T. R. Almeida
N.E.: Esse artigo foi publicado originalmente no fanzine “Juvenatrix” # 46 (Agosto de 2000).