sábado, 19 de janeiro de 2008

FAGUNDES VARELA "O VISIONÁRIO BYRONIANO"



“Eu amo a noite com seu manto escuro. De tristes goivos coroada a fronte. Amo a neblina que pairando ondeia. Sobre o fastígio de elevado monte...” – Fagundes Varela

O passado é uma fonte abundante e de inesgotáveis tesouros, e sabemos disto porque tudo que é grande e elevado, está exatamente lá, envolto pelas sombras e às vezes esquecido ou até na maioria dos casos, perdido para sempre. Então nossa missão torna-se um desafio que requer o máximo de abstração, pesquisa e sensibilidade para buscar este passado e projetá-lo no presente, sem deturpar a memória.

E foi nesta busca pelos “tesouros perdidos” que deparei-me com o nome do poeta Fagundes Varela, um dos byronianos mais fervorosos de seu tempo. Sua sombra projetou-se pelos quatro cantos da antiga província de São Paulo, em uma época onde a maior parte destas paragens eram campos desertos recobertos de mata, florestas e algumas fazendas dispersas nos arredores do centro.
Visionário e profundamente admirador de Álvares de Azevedo, o poeta Fagundes Varela surpreende-nos ao escrever o seguinte verso:

“Nasci pobre, este delito, seguiu-me toda a existência... sob o teto de uma choça, de que serve a inteligência?”
Profundo pensamento de uma consciência apurada a cerca da realidade do qual estava imerso e no entanto sua inteligência triunfou legando ao mundo uma extensa obra de inestimável valor. Mas Varela, como todo visionário profundo, amava a noite, e mergulhado naquela escuridão sombria das noites de seu tempo, é que ele aspirava toda aquela fantasmagoria romântica:

“Passai, tristes fantasmas, que são feitos das mulheres que amei...”

Ou ainda de uma maneira mais profunda, ele se vê mergulhado num conflito existencial:

“Mas ai! A cada passo, a vida nos demonstra, embora da esperança cintile a chama pura, que há dores tão profundas, pesares tão rebeldes, assim como há moléstias mortíferas sem cura!”

Vagou como um louco por todos os interiores do Estado de São Paulo. Mergulhou no desvario fascinado pelas noites destas belas paragens.
Aqui, na antiga província de São Paulo, também perambulou como um andarilho, não só pelo centro mas também por todas as antigas paragens onde hoje denominamos ABC. Por aqui, ele mergulhado no seu desvario byroniano, invocou em seus poemas, às sombras de arvoredos, os intensos nevoeiros, as garoas cinzentas, as noites de tempestades, os trovões, os pássaros noturnos, os insetos, os fantasmas, enfim, tudo que uma alma romântica percebe na sua aguçada sensibilidade, ele soube transpor. Claramente!
Mas esta curiosa figura byroniana surpreende-nos não só pelas suas obras, mas também por seu comportamento um tanto enigmático.
Em sua humilde residência, possuía uma “biblioteca um tanto exótica”, que segundo relatos da extraordinária obra de Pires de Almeida intitulada “Escola Byroniana” , esta biblioteca era composta não necessariamente por livros raros mas “uma formidável bateria de garrafas contendo bebidas fermentadas de todas as procedências”.

Acredita-se que ao degustar de tão enebriantes bebidas, o poeta inflamava-se de exótica inspiração e escrevia estrofes de profundos pensamentos transformados em belas poesias!

“Demais esses vinhos soltam o verbo para os surtos da eloquência...”, argumentava o próprio Varela aos seus visitantes, e em uma dessas inspirações equiparadas a um Byron, Azevedo, ou Edgar Allan Poe, o poeta descreve as seguintes estrofes (sintam a profundidade dos seus pensamentos nestes fragmentos inéditos):

“Sei que esta idéia que me abrasa a mente, que minhas noites de amargor tempera, se apagará na quietação algente da fria lousa que meu corpo espera. Morrer!... No seio rebentar de todo sentir da vida, o complicado nó gelar-se aos poucos, repousar no lodo e em breve tempo desfazer-se em pó!... Morrer!... Um mundo conhecido, embora amargo e negro, abandonar sem medo por uma noite que não tem aurora, por um deserto pavoroso e tredo! ... Oh! Se eu ao menos encontrar pudesse, nos tristes ermos deste ingrato mundo, formosa imagem que minh’alma erguesse, às santas aras de um amor profundo!... Mas ai! Refúgios eu procuro em vão! Coração de mulher é como um lago, recebe todas as impressões que dão, mas nenhuma conserva, é sempre vago! Para onde foste com teus loucos sonhos, fatais quimeras com que a vida enlevas, e me abandonas em pavis medonhos, meu pobre leito mendigando as trevas?”

Mas Fagundes Varela era muito mais que um poeta, era um filósofo também, um pensador profundo, um louco como chamavam-no. Sua figura sempre trajando preto era muito curiosa de se ver e o seu olhar penetrante revelava um universo repleto de spleem, torturas, angústias, dores sem fim, medo e revolta. Mas tudo isto, vejam os senhores, era transformado em arte e beleza. A poesia nascia de cada olhar fito nos céus, fazendo valer aquela frase do velho francês Victor Hugo, muito admirado por Varela:

“Meditar é trabalhar! Pensar é obrar e o olhar fito no céu já é uma obra!...”


Marcos T. R. Almeida

N.E.: Esse artigo foi publicado originalmente no fanzine “Juvenatrix” # 44 (Maio de 2000).