sábado, 8 de março de 2008

VLAD TEPES DRÁCULA




Marcos T. R. Almeida
"Quem na guerra observar com maior vigilância as intenções do inimigo, e mais exercitar seu exército, correrá menos perigo, e terá maior probabilidade de vitória" - Nicolau Maquiavel

Se por acaso algum de nós formos pesquisar sobre os principais tiranos da história, com absoluta certeza iremos depararmos com nomes bastante significativos para o nosso empreendimento um tanto sinistro. A nossa primeira investida nas páginas da história nos transportará através do tempo em épocas e períodos manchados de sangue. Devemos levar em conta, porém, que nem tudo que se ouviu dizer é verídico ao passo que muitos autores exageraram ao descrever os acontecimentos.
Um exemplo deste "erro histórico" ocorreu em cima da memória do Imperador Nero, que é sempre lembrado como "tirano", "cruel", "incendiário de Roma", etc. Desta forma Nero é sempre visto como um imperador maldito!
Mas antes mesmo destes "títulos", sabe-se hoje através de fontes confiáveis que Nero era um homem de cultura, admirador dos gregos e dedicado divulgador da Arte Helênica. Foi um grande estadista e além de imperador era músico, cantor, poeta, ator, escritor e homem de grandes ideais!
Quanto às barbáries ocorridas no seu reinado, de fato também ocorreram muitas, entre crimes, crucificações, piras humanas, orgias regadas à vinho, depravações sexuais, etc. Mas não é sobre Nero que irei aprofundar o assunto pois o título deste artigo diz respeito a um outro personagem da história conhecido por Vlad Tepes, nascido no ano de 1431 da era cristã, filho legítimo de Vlad Dracul.

"Dracul" significa "Dragão", uma tradução um pouco complicada do romeno que pode também significar "o diabo". A palavra em seu original é "Drac", oriunda de uma antiga ordem ou irmandade cristã que tinha como um dos objetivos principais combater a ferro e fogo os turcos. Nota-se aqui uma minúscula contradição, uma ordem cristã que traduzida entoa "o diabo" ou "dragão", um nobre símbolo que também é mais oriental que romano.
Nota-se também o caráter bélico-militar da ordem com objetivo de "guerra santa", uma espécie de cruzada, pois todos os grandes governantes europeus estavam de prontidão contra os inimigos dos cristãos. Aqui, cristãos eram todos os que não fossem islamitas ou pagões, povos com outras crenças e costumes. E a Europa toda denominava-se cristã por uma questão político-econômica bem definida onde como já sabemos, o povo mais humilde, os camponeses e os trabalhadores em geral, eram quem sustentavam todos os feudos europeus que usavam a religião para manipular e abusar da boa fé dos mais desfavorecidos.
Vlad Tepes nasceu na antiga Transilvania e a palavra "Tepes" foi uma espécie de apelido que ele ganhou mais tarde na vida adulta, que significa "empalador", devido ao seu radicalismo sádico com seus inimigos. Vlad será então sempre associado como um príncipe tirano, cruel e muito mal. Aqui novamente é evocado somente o lado perverso de Vlad Tepes, sendo que ele foi um príncipe justo que lutou a favor de seu povo, porém seu radicalismo assusta! Poderia voltar na sua árvore genealógica e evocar nomes de figuras muito curiosas descendentes de diversas raças européias de guerreiros e povos bárbaros. Os antigos romanos chamavam de bárbaros a todos os povos nômades, "selvagens", que não tinham uma cultura refinada herdada pelos gregos. Entre estas diversas tribos destacam-se os vândalos, ostrogodos, visigodos, burgúndios, anglo-saxões, hunos, árabes, mongóis, entre a diversidade de outras tribos. Os antepassados de Vlad Tepes Drácula vinham da Valáquia, uma província romena localizada mais ao sul da Europa Central, e se formos traçar no papel o confuso torvelinho de todas estas raças européias, um nome surgirá como o próprio nome do diabo, Átila! O rei dos hunos, e uma frase deste grande líder pode ainda ser lida para podermos entender seu temperamento guerreiro, "A estrela cai, a terra treme, eu sou o martelo do mundo e a erva não cresce mais por onde o meu cavalo tiver passado!"
Podemos apenas imaginar como alguns dos antepassados de Vlad Tepes Drácula agia em seu próprio tempo onde o aço, o ferro, o fogo, o sangue e o ódio eram os ingredientes básicos da realidade medieval por estas terras tão selvagens...
O contexto histórico que culmina em Drácula é tão complexo que somente ele preencheria um novo artigo, mas tomemos um atalho para mergulharmos nos relatos de horror do século XV onde surge um Drácula real, muito diferente daquele do cinema, se bem que o Drácula cinematográfico é uma sombra do Drácula histórico devido à generalidade de um escritor irlândes chamado Bram Stoker, bastante citado nos meus artigos.

"Gela-me o sangue quando sopra o sinistro Haraverus alta noite quando eu, mergulhado no silêncio da minha solidão cismo em seu personagem... e como um louco sinto-me no dever e obrigação de pronunciar seu nome! Inspiro-me na sombra maléfica de Drácula e vejo diante de mim todos os seus inimigos visíveis e ocultos, cismo, e meu espírito mergulha no pesadelo:
Ah! Se eu pudesse empalar meus inimigos, em estacas pontiagudas de madeira. Sepultá-los vivos em seus jazigos, para que tiritem na hora derradeira! De Vlad Drácula sou espelho fiel e contra o mundo lutarei, minha espada de ódio e fel será para eles o testamento!"

Sim! Às vezes componho versos simplificados, longe de esperar glória, escrevo para preencher o tempo... Mas o espectro de Drácula ainda assombra-me, tento compreender o temperamento e a personalidade deste homem, mas é em vão! Ele é sinistro demais para nossa limitada compreensão e o mal tem um aspecto diverso.
Muitos relatos foram escritos a seu respeito, um deles editador por Ambrosiu Huber no ano de 1499 na cidade alemã de Nuremberg. Descreve coisas horrendas e assustadoras onde um homem, mais conhecido como Drácula, o Calamitoso, empalou um número considerável de seres humanos. O método de empalar consiste em atravessar o indivíduo com uma enorme lança pontiaguda feita na maioria das vezes com dois ou três metros de comprimento. Desta forma a empalação tornou-se uma das mortes mais cruéis equipara somente à crucificação. Isto é, se não exceder-se a este outro método de morte. A crucificação também tem seu lado horrendo, e Cristo deve Ter sofrido o diabo quando ficou dependurado na cruz do calvário junto a dois ladrões, pois a morte demora e o sangue escoa lentamente...

Em alguns casos a empalação produz uma morte imediata no indivíduo. Em outros o indivíduo agoniza lentamente e o sofrimento é absoluto!
Observando uma xilogravura que já foi rara, mas hoje é muito conhecida por vários estudiosos no assunto, pois foi publicada no livro "Em busca de Drácula e outros vampiros", dos autores Raymond T. McNally e Radu Florescu, esta sempre horrenda imagem surge como um autêntico documento de época. Tentarei descrevê-la para melhor entendermos a questão:
Bem ao fundo, pequenas montanhas, arbustos e árvores, logo em seguida a imagem de uma fortificação militar ou castelo medieval cheio de janelas e torres como pontos de observação sobre os invasores turcos.
Tudo isso no canto direito da parte de cima do desenho, mas mesmo antes de percebermos essa paisagem, ao lado esquerdo da ilustração existem uma quantidade enorme de espetos e lanças pontiagudas que transpassam os corpos de um número razoável de indivíduos. Todos eles mortos ou agonizando como que estupefatos pela barbaridade diabólica dos seus próprios destinos, realmente uma morte horrível!
Mais abaixo deste detalhe, uma espécie de carrasco ou servo executa uma tarefa um tanto macabra para espanto dos leigos. Ele difere vários golpes com um machado em corpos mutilados e esquartejando-os em pedaços, joga a cabeça deles em um caldeirão a ferver em fogo brando. Braços, cabeças, mãos, pés, dorsos, estão espalhados pelo chão... À direita desta cena está Vlad Tepes Drácula, vestido com uma rupa típica da região. Ele parece estar sentado em frente de uma mesa de madeira forrada e bem servida com pão, vinho e carne...

Parece que Drácula fazia suas refeições assistindo a estas atrocidades com os olhos de indiferença. Alimenta-se e zombava dos inimigos condenados ao martírio. Refletindo ainda nesta horrenda xilogravura do século XV aproximadamente, associo esta imagem a uma cena do filme "Scars of Dracula", ou "O Conde Drácula", produção da inglesa Hammer Films estrelando Christopher Lee como o Conde Drácula. Em um determinado momento do filme, o servo fiel do conde, um indivíduo barbudo e cabeludo com uma cara de louco que lembra mais um lobisomem devido às grossas pestanas acima dos olhos, esquarteja o corpo de uma jovem morta a golpes de punhal pelo próprio vampiro. Os pedaços de seu belo corpo são jogados em um recipiente e o servo faz todo o serviço assobiando com um ar de indiferença, devido à já estar acostumado à rotina dessa sinistra tarefa...
Seria esta cena uma alusão à xilogravura?
Um outro filme que faz uma breve alusão do processo de empalação é em "Drácula", de 1979, estrelando Frank Languella como o Conde Drácula.
Bem no final do filme, no porão do navio Czarina Catherine, que seguia seu destino para a Romênia, Drácula luta com Abraan Van Helsing e Jonathan Harker e na sua fúria sanguinária acaba empalando Van Helsing, que agoniza vertendo em sangue pela boca. Mas este consegue içar um gancho enorme de remoção de cargas que transpassa as costas de Drácula, que em seguida é hasteado com violência para fora do navio indo agonizar dependurado no alto do mastro de frente ao seu inimigo de morte, o sol escaldante do meio dia...


Voltemos ao Drácula da Idade Média, e mais relatos surgem ao seu respeito descrevendo-o como cruel e justo, à medida certa de um bom príncipe! Entre os relatos podemos extrair trechos sobre uma belíssima taça empalhada em ouro que fora colocada próxima de uma fonte em uma pequena praça nas proximidades de Tiagoviste. Vlad Drácula colocou-a de propósito ali para que todos pudessem beber água fresca, e por muito tempo ninguém ousou roubar a taça, tal era o temor pela justiça de Drácula. Mas certa vez, um cigano roubou a taça da fonte, este foi então capturado e após tortura cruenta ele foi esquartejado e cozido em um enorme caldeirão de ferro, depois em seguida foi servido de comida aos seus comparsas obrigando-os a comer a carne cozida do ladrão cigano que havia roubado a dita taça de ouro!

"Comam-no! Pois é assim que se faz justiça no reinado de Vlad Tepes Drácula!..."

Imaginemos só esta justiça ferrenha aqui em nosso país, quantos infelizes não seriam cozidos em panelas de ferro, a começar pela choldra de políticos canalhas que compõe todo o poder público, estenderia depois empalando os patifes que compõe os partidos de esquerda, seguindo sempre o rastro de todo o indivíduo que colabora para denegrir a imagem do Brasil! Utopias...
Mas a justiça de Vlad Tepes Drácula é muito diversa disto que chamamos e conhecemos por justiça, não é simbolizada por uma mulher de olhos vendados segurando uma balança. A justiça de Drácula é a Espada de Aço Afiada!

Talvez seja por isso que ela funcionava, afinal, como escreveu Nicolau Maquiavel em uma de suas obras, "O Príncipe", considerado o melhor livro produzido por ele, "Um príncipe deve usar da crueldade ou piedade de acordo com as circunstâncias." E ainda adverte Maquiavel que "é muito mais vantajoso para um príncipe ser mais temido que amado, pois o amor acaba mas o temor permanece!"
De fato, Drácula foi muito temido e este temor transformou sua imagem no Diabo encarnado, nenhum outro personagem da história foi tão temido. Se bem que existiram outros tipos excêntricos e cruéis, como é o caso de Gilles de Rais, nascido em 1404 e morto em 1440. Este violentou, sodomizou e matou mais de 140 criancinhas, além de abusar sexualmente de rapazotes e ninfetas, torturando-os até uma morte sangrenta.
Vlad Tepes Drácula parece também que sentia um certo prazer sádico ao mandar executar suas vítimas, e no caso de mulheres infiéis ou arrogantes (que faziam-se de difíceis não querendo entregar-se para o prazer). Uma destas infelizes, Vlad Drácula mandou que seus órgãos sexuais fossem extirpados e depois a mesma fora esfolada viva e exposta à multidão de curiosos!
Costumava também mandar cortar os mamilos dos seios e em outros casos atravessava com um comprido espeto de ferro em brasa a vagina de alguma mulher que sendo virgem, perdera a virgindade em aventuras ocasionais. O espeto de ferro emergia pela boca da vítima!
Não há dúvidas, são relatos horripilantes que uma vez lidos, jamais esquecemos e se fossemos pôr no papel todos os documentos medievais referentes à Vlad Tepes Drácula, teríamos em mãos um dos manuscritos mais horrendos de que se tem registro, e é po isso que o personagem "Drácula" excede em terror equiparado a qualquer outra criatura deste lúgubre universo.

Todo homem consciente da transitoriedade da vida, da fragilidade do organismo, do corpo, que sabe com profundidade o quanto a humanidade é má e traiçoeira, aquele que tem uma visão ampla de que todas as relações humanas são fundamentadas no interesse, que o sonho de um dia habitar um castelo é uma utopia, quando considera o cubículo que está confinado em sua mísera habitação insalubre, ah! Todo homem que olha para esse exército de mulheres jovens, ninfetas cheirando o frescor da juventude e se vê velho, exilado do amor, excluído dos prazeres mais seletos desta vida! Aqueles que, rodeados de inimigos, se vêem derrotados pela dialética bastarda da mesquinha realidade que é labutar, trabalhar para não morrer de fome. Todo homem que mesmo sofrendo todo tipo de injustiça social, aquela derivada do poder público, da política corrupta, aquele que mesmo sofrendo todo tipo de assalto, conserva um traço de cultura e consciência, este pelo menos uma vez na vida, deve ter-se fascinado por "Drácula", um anti-herói maldito que vinga e promove sua própria justiça sem precisar de se sujeitar à humilhações oriundas de uma civilização degenerada, de uma forma absoluta.
Sim! Drácula é uma lembrança da mais malvada e cruel criatura que já marcou a civilização, e esta sombra vem fascinando os homens sensitivos cada vez mais, apesar de toda a mancha negra que paira sobre a memória desta criatura. O vulto espectral de Vlad Tepes Drácula renasce hoje em histórias em quadrinhos, em pinturas, gravuras, desenhos, gibis, fanzines (que é o nosso caso), livros específicos de vampirismo, literatura gótica, revistas de história, e no cinema, a invenção mais elevada da ciência!
E nos filmes produzidos, um que realmente dá no que pensar foi Nosferatu (1922)! "Nosferatu, nunca diga esta palavra, evite dizê-la pois ela é como o canto do pássaro agourento da morte..."
Nosferatu, o sinônimo da peste, doença e morte em massa, um vampiro com dentes de rato, que vive confinado em um velho castelo e dorme de dia em um caixão, e à noite acorda para beber o sangue dos vivos!

Mas se Vlad Tepes Drácula possuía longos cabelos crespos e um bigode à moda prícipesca da época, Nosferatu é careca e sem o dito bigode. Aqui ele transcedeu como que reencarnado numa imagem de cinema de forma grotesca e agressiva conservando porém o aspecto de nobre ao habitar sempre um castelo!
As imagens do filme Nosferatu tem o aspecto de um sonho mau, um pesadelo atormentado, mudo, sempre pestilento, mórbido, carregado de imagens medonhas onde o espectador é sempre mais um dos integrantes do enredo...
Nota-se que através da literatura, Drácula ganhou realmente a imortalidade e a imagem do demônio é apenas uma inspiração de horror grosseira equiparada à sombra de Drácula que foi verídica...
Mas Drácula não pode carregar sozinho esta reputação de cruel. Outros casos ocorreram de monstruosidades cometidas por outros homens, e o ilustre antropólogo italiano Paulo Mantegazza nos relata o seguinte:

- "Schaaffhausen fala de um respeitável senhor da Silésia que gostava tanto de sangue humano fresco, que sua mulher compassivamente se fazia sangrar todos os anos, para satisfazer o irresistível apetite do marido antropófago".
- "Os caraíbas preferiam do homem cozido a nuca e o pescoço, outros as nádegas, as coxas e as pernas".
- "Agradava muito aos habitantes das ilhas Marquesas, o sangue sugado através do crânio, e, em Nukahiva, Krusenstein encontrou devidamente furadas, todas as caveiras humanas."
- "Na África Central, são bocados prediletos os peitos e mãos das mulheres."
- "A carne humana tem sido comida crua e cozida, na Polinésia, os viajantes descrevem complacentemente os guerreiros cozidos no forno recheados de batatas e servidos num tabuleiro com seus ornamentos."

- "Alguns vasos encontrados em antigos túmulos britânicos eram muito provavelmente destinados a recolher o sangue de vítimas humanas."
- "O Rei Peppel do Rio Bonny (África), deu um jantar de gala por uma vitória em que foi feito prisioneiro o Rei Amakrée. Os comerciantes europeus foram convidados para o jantar no qual entre outras coisas, foi servido o coração ainda palpitante, de Amakrée.Comeu-o Peppel dizendo: 'Eu trato assim os meus inimigos!'"

Enfim, não posso trancrever toda a obra de Paulo Mantegazza para não fugir do assunto sobre as crueldades de Vlad Tepes Drácula, mas é bom ilustrar um pouco através da geografia mundial que a crueldade, assassinato e antropofagia são crimes diversos em qualquer civilização!
Devo admitir então que o que faz às vezes um único nome carregar má fama ou reputação não é pela exclusividade de sua maldade, mas porque outros ocorridos desta natureza já há muito caíram no esquecimento ou foram cometidos no anonimato por outros indivíduos, em algum lugar no tempo e no espaço...
Vlad Tepes Drácula deve ser analisado não somente pelo seu lado criminoso, mas justo também, pois das ditas "vítimas" por ele mandado empalar, a maioria eram inimigos invasores turcos que também degolavam pessoas sem piedade.
Vlad, muito antes de exercer o poder obsoluto, fora certa vez capturado pelos turcos othomanos e é muito provável que aprendeu com seus inimigos o uso desmesurado do terror e o profundo desprezo pela vida, quando livre jurou levantar a espada em defesa da cristandade. Mas com o passar do tempo, a antiga Roma e o mundo haviam distanciado-se do "Príncipe Cristão".
Todas as fortificações mandadas construir por Vlad, além das já construídas por alguns de seus antepassados, eram feitas com muralhas de pedra bruta reforçadas com tapumes para repelir a artilharia dos inimigos. Desta forma, no cume dos Cárpatos erguiam-se imponentes castelos, alguns hoje em ruínas!
Estes Montes Cárpatos na Romênia parecem ser uma horripilante e arrepiante parada na fronteira oriental da Europa e marcam os limites de um reino preso entre a história e o horror. Ali, naquelas paragens pitorescas envoltas de vegetações diversificadas, numa terra denominada "além dos bosques", Transilvânia, reinou Vlad Tepes Drácula...
Se pudessemos mapear essa região também denominada "terra dos fantasmas" como um turista privilegiado, percorrendo hoje alguns pontos significativos desta mórbida odisséia, descobriríamos que o espírito atormentado que se relaciona com estas paragens, é muito mais peculiar do que julgamos, nós os amantes do macabro e do desconhecido. Pois os relatos relacionados ao vampirismo e de um mal sobrenatural é tão evidente que até o mais frio cético ou ateu sentiria gelar em sua mísera alma!
Seria porém um ótimo empreendimento conhecer de perto os castelos habitados por Drácula e pisar pelo menos uma vez na vida em Bucareste, uma das cidades fundadas por Vlad Tepes Drácula.

Acredito que uma viagem a um local exótico, uma cidade ou país desconhecido, vale por muitos livros lidos e como disse Albino Forjaz de Sampaio, "para sabermos o quanto somos insignificantes devemos viajar...". Sim, seria uma experiência fascinante percorrer esta terra tão sinistra por onde o próprio Bram Stoker passou fazendo levantamento de informações históricas a respeito de Drácula, antes de elaborar sua obra.
Antes de terminar este escrito, não posso esquecer um outro relato de horror sobre o príncipe das trevas. Nos dias atuais, é comum em algumas cidades da Alemanha, grupos de neonazistas skinheads espancar e incendiar mendigos e imigrantes turcos ou de qualquer outra etnia racial. Isso deixa as pessoas chocadas e horrorizadas. No tempo de Vlad, este, certa vez, mandou recolher e alimentar uma quantidade significativa de mendigos e miseráveis. Após saciá-los, Vlad perguntou a eles: "O que mais vocês querem que eu faça por vocês?". Os miseráveis então responderam já saciados: "Príncipe Vlad, alivia a nosa dor e pobreza!". Vlad então mandou a seus soldados que trancassem todas as saídas do pátio do castelo e mandou que os mesmos ateassem fogo nos mendigos e estes arderam até a morte, sob gritos desesperados e como tochas humanas debateram-se em uma cena cruel e ao mesmo tempo horripilante.
Mas se naqueles tempos as coisas já não eram tão fáceis, pior foi ficando na medida que as guerras multiplicaram as barbáries de sangue.
A queda de Constantinopla, a conhecida como "Roma Oriental", fundada no passado remoto pelo Imperador Constantino, com o objetivo de dominação na fronteira com o oriente próximo, foi marcada por violentos combates de othomanos com cristãos. Ilustrações da época nos dão uma idéia deste conflito que parece Ter dado um fim no império romano no oriente e marcado também o fim da idade média no calendário cristão.
Os exércitos turcos, radicais e dispostos a tomar a cidade ou morrer, massacraram definitivamente os cristãos que resistiam por detrás das muralhas fortemente construídas em volta de Constantinopla. Este violento combate se deu em 1453 aproximadamente.
O diretor de cinema Francis Ford Coppola, ao elaborar o roteiro de seu filme Drácula de Bram Stoker, lançado em 1992 fazendo absoluto sucesso, produziu uma excelente imagem logo no início do filme, fazendo uma alusão à queda de Constantinopla. A cidade arde em chamas, fumaça negra cobre o cenário e uma enorme cruz de pedra desprende-se do topo de uma igreja, provavelmente a antiga igreja de Santa Sophia. A enorme cruz cai e se desfaz em pedaços no chão! Que cena espetacular!
A imagem ganha seu potencial embalada na excelente trilha sonora composta pelo compositor Wojcieh Kilar. Observamos então não só uma referência da queda de Constantinopla mas a vitória absoluta sobre o cristianismo e uma excelente recordação de que não é esta a religião oficial da humanidade, pois mesmo já fazendo dois mil anos de cristandade, esta doutrina não obteve vitória na parte oriental do mundo!

Vlad Tepes Drácula, para afugentar e horrorizar os invasores, mandou empalar mais de 20.000 prisioneiros turcos. Estes ficaram expostos em um vale durante mais de uma semana. Os que presenciaram estas imagens ficavam estupefatos de terror perguntando-se uns aos outros: o que se pode fazer com um homem capaz disto?
Mas não se chamava Abraan Van Helsing o verdadeiro inimigo de Drácula, mas sim um poderosíssimo sultão da tomada de Constantinopla, o temido Mehmed II, que organizou diligências fortemente armadas com um elevado número de guerreiros para invadir a Valáquia. Em uma das investidas, Vlad fora ferido por uma lança pontiaguda ou flechas e provavelmente tenha morrido assim, existindo porém uma outra versão de que ele teria sido capturado vivo, levado como prisioneiro e fora mais tarde decapitado. Isto no ano de 1476, a mando do sultão Mehmed II.
Mas não encontrou descanso após a sua morte, e segundo relatos de documentos seus restos mortais foram sepultados em um mosteiro em uma pequena ilha em Snagov. Mas para maior espanto dos que o temiam, por uma casualidade do destino ou mãos vingadoras de Jeová, uma violenta tempestade com ventos e raios caiu nas proximidades destruindo boa parte da antiga edificação que era de madeira. E com o passar dos tempos, mudanças das mais variadas se deram no mosteiro e para completar o quadro de horror, o caixão e o corpo de Drácula desapareceram misteriosamente...
Milhares haviam sido empalados no seu reinado de pavor e assim restava a lembrança da mais sinistra e terrível criatura que espalhou o horror na civilização.
O rei dos não mortos não está deitado em seu túmulo, talvez divague para sempre como o espectro mais atormentado de que se tem registro, sua imagem nunca será apagada da história. Ainda que seja mil vezes mais odiado, Drácula é um mito, uma lenda, uma história de horror verídica que ainda nos causa muitos calafrios, principalmente quando soa a meia-noite em ponto e assombrados lemos a inscrição do seu nome em algum artigo de livro, ou revista com referência sobre tamanho horror.
Que a sua justiça caia um dia sobre todos os nossos inimigos visíveis e ocultos...

Nota: Esse artigo foi publicado originalmente no fanzine "Juvenatrix" # 42 (Março de 2000).

sábado, 16 de fevereiro de 2008

BAUDELAIRE O DANDY DA MODERNIDADE por:Marcos T. R. Almeida


"Traguei um bom gole de veneno - seja três vezes abençoada minha resolução! Minhas entranhas ardem. A violência do veneno contrai-me os membros, desfigura-me, arroja-me ao chão. Morro de sede, sufoco, não posso gritar, é o inferno, as penas eternas! Vede como o fogo se levanta! Queimo-me como convém. Vai, demônio! - Rimbaud (1854-1891) - "Noite no Inferno"

Para falar de Baudelaire, temos que evocar o "spleem" e o "dandysmo" parisiense do seu tempo. É preciso conhecer pelo menos teoricamente, alguns pontos importantes de Paris, a cidade mais charmosa do mundo, onde todos os prazeres podem ser provados, de acordo com os bolsos.
O "dandysmo" foi a religião oficial do poeta e o "spleem" foi a única sensação que ele soube cantar na sua lira, evocando em harmoniosas combinações um misto de benções e maldições nunca antes cantados por nenhum poeta mais ousado.
Baudelaire morreu em 31 de agosto de 1867, vitimado de um mal singular, uma paralisia agravada pelo avanço da sífilis. Padeceu o poeta de um pesadelo endêmico do inferno, onde a dor física e a angústia da alma intercalavam-se para torturá-lo de todas as formas possíveis.
Henri Troyat, membro da Academia Francesa, fez um estudo da vida e da obra do poeta, juntando em uma biografia, as principais cartas escritas, referentes à várias épocas e períodos diferentes da vida do dandy de Paris.
O jornal francês "Le Figaro" publicou um artigo referente à biografia de Baudelaire escrita por Troyat. Em destaque, um trecho do artigo:

"Troyat penetra nos mistérios da alma atormentada de Baudelaire. Graças à fluidez de seu estilo e às suas e sensatas observações, sentimos o autor de "As Flores do Mal" muito próximo de nós".

De fato, Baudelaire está muito próximo de nós em espírito, mas para compreendê-lo, o leitor que busca sensações perversas, deverá consultar suas obras.
A violência satânica de Baudelaire está em suas "As Flores do Mal". Ali estão reunidas todas as suas experiências e emoções mais profundas. Esta obra parece ter nascido dos esgotos e prostíbulos da velha Paris, a cidade das artes e dos prazeres.
"As Flores do Mal" é um livro complexo que evoca todas as faces de uma alma sensível que vive em meio ao torvelinho do acaso, chafurdando ora em meio às orgias com as mulheres da vida fácil, ora em meio aos elegantes ambientes artísticos de luxo e pompa, onde é mister ser um elegante "dandy", cavalheiro fino e culto.
Na história da literatura, Baudelaire é visto como um poeta maldito que tem Satã como pagem. Ele é por se assim dizer, o pai dos poetas malditos, e depois dele outros surgiram, mas cada qual com seu próprio estilo e grandeza, e entre os "malditos" destacaram-se: Stéphane Mallarmé, Villiers, Corbière, Verlaine, Rimbaud, Nerval, Lautréamont, e tantos outros!
Neste universo de sensações, deparamos com complexa diversidade de estilos e tendências, pois nenhum deles constituíram verdadeiramente um grupo literário compacto, mas cada qual viveu e produziu separadamente sua obra de arte no mundo da poesia.
Paris, no tempo de Baudelaire, é uma cidade agitada, onde fervilha o progresso e as artes. Os "cafés" são os pontos de encontro dos "bons vivants". Os teatros estão no ritmo idílico da música clássica, compositores brilham e estreiam suas principais obras, onde o bom gosto atinge a mais alta expressão na harmonia sinfônica.
Tudo em Paris está fervilhando num verdadeiro formigueiro de paixões mundanas, a vida flui intensamente e todo mundo quer participar deste universo dionísico de prazeres.
Baudelaire está neste meio, vestido à moda "dandy" de sobrecasaca e gravata, ele fuma sossegadamente o seu cachimbo num canto qualquer de uma destas casas noturnas e observa atento todo esse ritmo contagioso...
Num outro canto da velha Paris, existe paralelamente os guetos e os submundos da prostituição. Mulheres de vida fácil vendem o corpo em orgias desenfreadas, satisfazendo assim à todas as taras dos mais afortunados.

"Paris que se diverte...", como escreveu Albino Forjaz de Sampaio, "Paris! E só esta palavra diz, não sei que estranhos mundos de sonho, de volúpia, de enternecimento". "E há milhões de almas sonhando Paris, endeusando-a, desejando-a com amor, com frenesi como se deseja uma mulher amada que vive em outro continente". "E todos os povos do mundo tem a idéia de que Paris é a grande cocote, a licenciosa barregã, de espírito vivo e azougado champanhe com quem se passa as noites de folia e os dias de prazer...".

Paris parece mesmo um sonho repleto de luxúria e longe de ser somente ilusão. A cidade vive intensamente o ritmo da modernidade!
Existem duas Paris, uma de sonho e ilusão, outra de podridão e miséria. Baudelaire saberá interpretar este contraste social...
Antes mesmo de publicar suas "As Flores do Mal", ele traduziu Edgar Allan Poe para o francês e a obra do grande mestre do terror passaria a assombrar os leitores da França através de Baudelaire.
O poeta descobre em Poe, um traço de sua própria personalidade, onde o espírito encabrunhado de Poe, errante e cheio de mistério, torna-se uma espécie de mentor espiritual.
Como nas próprias palavras de Edgar Allan Poe, "o mistério envolve meu destino por todos os lados", Baudelaire sentirá pesadamente a amargura destas palavras como se fosse ele mesmo quem as tivesse pronunciado...
O "dandy" do terror influenciara Baudelaire para o resto de sua vida, como se o poeta estivesse fadado a ver e sentir os mesmos males que Sir Poe expressou na sua obra!
Numa comunhão espiritual com o escritor da América, Baudelaire escreveu:
"Ponho o meu rosto sobre o seu...". Mais tarde, Alexeieff interpretara esta frase no manifesto que ficou conhecido em Paris como "Baudelaire e Poe".
Baudelaire é um homem ousado, mas a sua ousadia muitas vezes levou-o aos excessos que de uma maneira ou outra acabou contaminando-o, e tão logo ele deitou-se com uma prostituta, contraiu uma infecção denominada blenorragia, uma espécie de inflamação das membranas mucosas da uretra, o que hoje para nós chamamos gonorréia.
Naqueles dias, contrair uma doença de Vênus não era algo fácil de se tratar, pois a medicina somente viria a descobrir a maioria dos antibióticos para determinados vírus no começo do século XX.
Um farmacêutico de nome Denis Guérin receitou-lhe uma droga denominada "opiato balsâmico" e ele faz um demorado tratamento para se ver livre daquele mal venéreo...
Para Baudelaire, não importava a pena que ele teria que pagar, importava-lhe só os prazeres do êxtase apenas, mas na sua alma ficou gravada para sempre uma impressão estranha de prazer e infecção venérea...
O traço mais marcante e decisivo de sua personalidade era segundo seus biógrafos, a maneira exótica da sua vestimenta à moda "dandy", longo sobretudo preto, camisas de seda, coletes, sapatos brilhantes de graxa, gravatas vermelhas, calças de estilo refinado tipo aristocrata, cabelo sempre bem curto e rosto carrancudo, barbeado. Fino e elegante, Baudelaire era uma figura exótica, diferente, sempre distinta e perfumada das mais puras essências de água de colônia.
Uma espécie de pioneiro gótico, com estilo de punk de butique que pintava de verde os cabelos desafiando os bons costumes do seu tempo!
A excentricidade do poeta demonstrava que de sua alma emanava o espírito puro da liberdade plena e contestação plena da vida, uma espécie de répobro elegante, sinistro não somente pela aparência mas também pelas atitudes de comportamento social.
A princípio, teve um excelente pai, que quando o poeta era ainda uma criança levava-o ao jardim de Luxemburgo para contemplar as belas estátuas. Mas, por uma fatalidade, o pai morreu ficando ele, Charles, com sua mãe, sua querida e amável mãe, como ele mesmo descreveu.
Uma relação meio édipoiana começa a ocorrer entre Charles Baudelaire e sua mãe. Mais tarde, já adulto, Charles iria lembrar esta relação:
"O gosto precoce por mulheres... Eu confundia o odor das peles com o odor da mulher, recordo-me... Enfim, gostava da minha mãe pela sua elegância. Era, portanto, um "dandy" precoce."

Sua mãe, passado algum tempo de tristeza e viuvez, acabou por conhecer outro homem, o Sr. Aupick, que acabou casando-se com ela, tornando-se então uma espécie de rival de Charles Baudelaire.
Ninguém melhor do que Maxime Du Camp para descrever o poeta, afinal Du Camp foi um de seus melhores amigos:

"Baudelaire era forte muscularmente, mas no entanto havia nele qualquer coisa de arruinado, de abúlico, de surmene..."

Eu creio firmemente que nenhuma alma é tão triste como a alma dos poetas. A tristeza que nasce da poesia é sempre mais profunda e complexa, talvez por abranger profundidades de abismos e oceanos, onde o julgo comum não consegue alcançar jamais!
Esta percepção que ocorre em proporções dantescas na alma dos poetas, ganha uma força de Hércules quando é embasada por um conhecimento filosófico, sendo assim enriquecida pela meditação da realidade mediante à fantasia dos sonhos e das paixões.
Baudelaire era uma espécie de visionário e bastava-lhe uma noite somente para juntar em um poema todo seu conhecimento filosófico mediante sua sensibilidade de poeta para poder escrever um verso que muitas das vezes traduzia o seu estado de alma:

"Sempre a tolice e o erro, culpa e sovinaria. Trabalham nosso corpo e ocupam nosso ser. E aos remorsos gentis, nós damos de comer. Como o mendigo nutre a sua piolharia."

"Frouxo é o arrependimento e tenaz o pecado. Por nossas confissões muito é que a alma reclama, voltando com prazer a um caminho de lama, crendo as manchas lavar com pranto amaldiçoado."

"É o diabo que nos move através de cordéis! O objeto repugnante é o que mais nos agrada. E o inferno a descer um degrau da escada, vamos à noite errar por sentinas cruéis."

"Tal qual como um libertino e que beija e mastiga. O seio sofredor de velha messalina. Furtamos ao passar um prazer disfarçado. Que esprememos assim como uma laranja antiga."


"E se o estupro, o veneno, o incêndio e a punhalada, não puderam bordar com seus curiosos planos, a tala garça vã dos destinos humanos, é que nossa alma enfim não é bastante ousada!"

Baudelaire lapida as palavras como um escultor lapida a pedra bruta. Mas não é de granito, mas sim o mármore polido, o produto final da obra de Baudelaire. Ele é como um homem da renascença, idealizador de um novo mundo reconstruído sobre aquilo que sobrou da idade do ouro do passado da humanidade.
Este homem trabalha a matéria bruta, ou seja, sua própria realidade de homem moderno com os padrões e os comportamentos da modernidade, e vai transformando através do espírito todas as suas experiências em verdadeiras obras de arte!
Para Baudelaire, o passado está perdido para sempre pela força indestrutível do tempo e da fatalidade, porém deverá renascer deste já extinto passado, um ideal que deve inflamar o espírito do homem moderno, que também é um homem de privilégios!
A elegância do homem moderno deve comportar uma verdadeira mistura de maneiras de ver e sentir o mundo novo em sua volta, onde o bem e o mal intercalam-se perpetuamente. Se Paris tem mulheres da mais alta classe, por outro lado comporta um verdadeiro harém de prostitutas perdidas e infectadas por doenças venéreas!
O feio contrasta com o belo e o feio invoca um novo universo a ser explorado, ao passo que o belo justifica-se por si mesmo!
As doenças, a decomposição do cadáver, os escarros, as infecções, a solidão aguda da alma, os desesperos tediosos, o "spleem" que nasce a cada nova frustração, o fumo, o haxixe, o ópio, as decorações orientais, haréns, quartos de nababo, o estupro, os crimes perversos, os esgotos de Paris, as orgias grupais, o prazer e a volúpia do sexo perverso, tudo deverá ser repensado, lapidado, transformado em poesia e Baudelaire será o primeiro a fazer isso!
Sua poesia é um brado de liberdade, é o rompimento com o antigo padrão já saturado e até desprezado por muitos burgueses que por sinal são péssimos contemporâneos, que mal sabem compreender o valor da mais alta cultura!
O satanismo será o centro dessa nova ousadia. Vampirismo e fantasmagorias também irão ilustrar a poesia moderna do idealizador dos novos tempos!
Provando um pouco da violência satânica de Baudelaire, colhi alguns fragmentos das Litânias de Satã, inéditos:

"Ó tu, o anjo mais belo e o mais sábio senhor. Deus que a sorte traiu e privou do louvor. Tem piedade Satã, desta longa miséria!"
"Tu que és o condenado, príncipe do exílio, e que, vencido, sempre emerges com mais brilho. Tem piedade Satã, desta longa miséria!"
"Tu, sábio e grande rei dos abismos mais profundos. Médico familiar dos males deste mundo. Tem piedade Satã, desta longa miséria!"
"Tu, que bem sabes onde, nas terras mais zelosas, cioso Deus guardou as pedras mais preciosas. Tem piedade Satã, desta longa miséria!"
"Tu, cujo olhar conhece fundos arsenais, em que dorme sepulto o povo dos metais. Tem piedade Satã, desta longa miséria!"
"Pai adotivo dos que em sua ira sombria, Deus pai pode expulsar do paraíso um dia. Tem piedade Satã, desta longa miséria!"

"As Litânias de Satã" causaram um profundo impacto na sociedade parisiense. Quem era afinal aquele poeta que evocava Satã como um pai adotivo? Quem era esse tal de Baudelaire?
Este cântico de rebeldia, dedicado aos deserdados do amor e aos miseráveis, talvez tenha sido mal interpretado por seus contemporâneos, mas independente da interpretação, o fato é que mais tarde ele foi cantado em várias sinagogas satânicas secretas de Paris, por iniciados e bruxos, místicos e feiticeiros, como um verdadeiro hino, em seus rituais que sempre envolviam festins e promiscuidades sexuais.
Para Baudelaire, Satã é o símbolo mais ousado da rebeldia e da independência, uma espécie de contra veneno, fruto do próprio cristianismo já há muito tempo apodrecido.
Satã é o anjo protetor e redentor dos que se assumem verdadeiramente humanos, sujeitos impreterivelmente à fatalidade das próprias paixões do mundo.
Ironicamente, Satã conhece os segredos e os planos divinos, sabe de antemão que se existem prazeres melhores dos que os prazeres com uma mulher, Deus com certeza reservou-os só para ele!
Satã denuncia a ociosidade divina e a falta de amor ao saber que Deus vira o rosto quando sentado em sua majestade. Vê as aflições dos homens em meio à toda sorte de males e nunca os socorre!
Como em John Milton ou Álvares de Azevedo, o personagem Satã é um símbolo universal de sabedoria do Homem que encontra em Baudelaire a força centrífuga que emana de dentro da alma para fora, rompendo com as correntes dos falsos valores e da falsa moral que escravizaram tanto os homens através da religião cristã.
Não é somente esta violência satânica que está presente na obra de Baudelaire, mas o lúgubre e o tenebroso goticismo também se faz presente, como neste poema:

"A Alma do Outro Mundo"

"Como os anjos de ruivo olhar, a tua alcova hei de voltar, e para ti irei sem ruído, na noite de sombra e de ouvido.
E eu te darei, morena e nua, beijos frígidos como a lua, carícias de serpente nova, a despertar da orla da cova.
Chegando o amanhecer sombrio, verás o meu lugar vazio, que será sempre frio e quêdo.
Como os outros pela suavidade, eu sobre a tua mocidade, quero reinar, mas pelo medo!"
Também num outro poema intitulado "Um fantasma", traduzido do francês para o português por Delfim Guimarães, em primeira edição de 1909:

"Um Fantasma"

As Trevas
"Na escuridão d'esta caverna fria, onde há muito, ai de mim! Triste, rolei onde nunca penetra a luz do dia, e onde a sós com a noite me encontrei.
Lembro um pintor que fosse condenado, seus quadros a pintar na escuridão: sou como um cozinheiro esfomeado, reduzido a guisar o coração!
Às vezes, num momento o meu olhar nas trevas, um espectro vê raiar, aparição risonha e vaporosa...
E a minha razão febricitante distingue no sombrio visitante, a morena que amei-a luminosa!"


A musa, a mulher ideal, a soberana cortesã dos desejos, o vulto espectral de um belo corpo de mulher para gozar, de repente assombra a imaginação do poeta que se vê mergulhado no "spleem" e inferno da solidão, entregue às antigas lembranças do amor já passado, espectro fantasmagórico que atormenta como uma Lilith, o consciente e inconsciente não somente do poeta, mas de todos os homens sensíveis que se vêem cativos pelo poder feminino.
E o que é essa imagem senão a encarnação de sua musa, a bela Vênus negra Jeanne Duval, uma prostituta robusta que o poeta tomou por companheira?
Jeanne, "a deusa negra dos prazeres", "a víbora fatal", "senhora dos meus sentidos", "a grande taciturna", como ele mesmo escreveu, nada mais era do que uma bela mulata de cabelos compridos, de seios enormes e ancas bem largas. A mulata quase negra que lhe proporcionou os mais ardentes e calorosos prazeres, exatamente por ser uma mulher exótica, diferente das demais prostitutas de Paris, brancas e frígidas, incapazes de proporcionar aquele gozo sexual oriundo da ousadia perversa do erotismo absoluto!
Para Baudelaire, sua Jeanne era uma espécie de animal divindade feito em forma delinear de mulher ideal para o sexo, mas nunca para navegar nos ideais da alma!
O que a deliciosa mulata tinha de imponência exótica para os prazeres da luxúria, faltava-lhe na capacidade para compreender os deleites que o universo artístico poderia proporcionar.
Bem mais tarde, quando a mão gelada do tempo tocou em todos aqueles transeuntes daquela velha e desgastada Paris, a pobre Jeanne seria encontrada velha, sofrida, retalhada pela miséria e pelo sofrimento, muito doente, e paralisada pelo terrível mal da sífilis.
Baudelaire não fugiu da regra, portador também da infecção da sífilis, contraída tão logo na sua primeira mocidade. Mal e muito mal sabia o poeta do "vírus cancerígeno" que carregava já por mais de 25 anos em seu próprio sangue!
A malígna infecção causada pelo vírus "treponema pallidum", terrível mal que também só viria a ser descoberto cientificamente no começo do século XX, levou o poeta à paralisia e à morte!
No final de sua vida, com apenas 46 anos de idade, minado de um mal venéreo, o poeta morreu depois de longos meses de duro e penoso sofrimento!
Sua obra é o reflexo deste drama singular, desta interpretação da vida, dos quadros da vida que se transfiguram a todo instante, das paixões e dos desejos realizados e frustrados...
Baudelaire é o "dandy" da modernidade, o primeiro a cantar à perdição dos prostíbulos, e hoje mais do que nunca, todos os grandes centros do mundo estão repletos de pontos de prostituição, onde as mulheres da vida e do prazer fácil, expõe todos os seus languidos contornos, enebriantes por exóticos perfumes!
Provar ou renunciar a tão estonteantes tentações? Talvez o próprio Baudelaire possa nos dar uma resposta:

"Em cada minuto somos esmagados pela idéia e a sensação do tempo. E apenas existem dois meios para escapar a tal pesadelo, para esquecê-lo: O prazer e o trabalho. O prazer gasta-nos, o trabalho fortifica-nos. Escolhamos. Quanto mais nos servimos de um destes meios, mais o outro nos inspira repugnância. Sempre depois de uma orgia, nos sentiremos novamente sós e abandonados..."

Nota do Autor: Para elaboração deste artigo, foram necessários vários estudos e consultas das seguintes obras, a saber: "As Flores do Mal", e "O Meu Coração Posto a Nu", de Baudelaire; "As Flores do Mal", edição portuguesa traduzida direta do francês por Delfim Guimarães e prefaciada pelo gênio Albino Forjaz de Sampaio (1909); "Baudelaire", biografia escrita por Henri Troyat; "Cosmopolia", por Albino Forjaz de Sampaio (1922); "Iluminações e uma Temporada no Inferno", de Rimbaud; "Gigantes da Literatura", editora Verbo (1972); Fanzine Vrolok # 5 - informativo jugular, com a matéria "Baudelaire, o anjo negro"; Fanzine Revoada de Corvos # 6, especial sobre Baudelaire, editado por mim em 1999.

domingo, 20 de janeiro de 2008

TIBÚRCIO CRAVEIRO "O POETA DO HORROR"

















"Os encantos do horror só embriagam os fortes”
Charles Baudelaire

O culto ao horror profundo é coisa velha, tudo o que nós pensarmos a respeito, com certeza já foi visto por outras personalidades artísticas muito excêntricas por sinal. O que de fato aconteceu com relação à essência do horror foi que atualmente ele caiu na especulação barata da mídia com tendência à imbecilidade comum, assim no disparate de uma falta de conhecimento aprofundado de uma questão tão complexa, o homem moderno degenerou de maneira abusiva o fundamento primordial desta grande arte, que é lamentável...Revirando meu pequeno arquivo como de costume, deparei-me com a genial obra de Pires de Almeida intitulada “Escola Byroniana”. São documentos raros que foram publicados pela primeira vez no “Jornal do Comércio” do Rio de Janeiro entre os anos de 1903 e 1905, tratando estes de nomes e obras inéditas de poetas desconhecidos do grande público, sobre a época do Movimento Romântico no Brasil. Tinha em minhas mãos um grande aparato de gigantesco valor histórico e cultural dentro do contexto do horror. Afinal, ali estão escritas informações dos mais variados gênios desta arte. Entre os nomes ali registrados, Tibúrcio Antonio Craveiro foi o que mais chamou-me a atenção, não somente pelo grau de sua mórbida excentricidade, mas também pela ideologia da sua filosofia de horror profundo.Literalmente falando, tomo a liberdade de profanar o túmulo do poeta, de remexer no seu sepulcro citando seu nome e obra adormecidos no silêncio do nada que é o esquecimento. Após muito mais de 150 anos, alguém desperta seu espectro atormentado de poeta byroniano como quem lhe presta homenagem em memória...Antonio Craveiro, como era mais conhecido, nasceu em 4 de maio de 1800 na cidade de Angra do Heroísmo. Teve uma adolescência obscura voltada para a solidão. Aos vinte anos, viu-se atraído pelas idéias liberais, viajou para a Inglaterra onde obteve contato também com toda a produção literária da época. Byron foi um dos nomes que definitivamente influenciariam o jovem poeta que vivia confinado na leitura das obras de Voltaire e Racíne, Filinto Elisio e Rousseau. Em 1826, veio para o Rio de Janeiro. No Brasil seu talento consagrou-o ao cargo de professor do ensino público, sendo mais tarde eleito membro do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil. Sua vida pública reconhecida pela sociedade era uma coisa, outra coisa era sua vida privada, quando Tibúrcio Craveiro confinava-se em seu gabinete de estudo para traduzir obras raras dos seus escritores prediletos ou escrever suas próprias obras. Entregava-se à contemplação e estudo do horror, como de costume.Em seu gabinete de estudo, como relara Pires de Almeida em 5 de fevereiro de 1905, podia-se encontrar objetos como uma pequena guilhotina para cortar a ponta dos havanos que saboreava na hora do spleem, fumava como Byron em pose de irreverente cético, zombando de Jeová como um répobro descrido de tudo.Erudito nas suas pesquisas voltadas para o horror, colecionava estranhos objetos como crucifixos roubados de cemitérios, caveiras humanas que ele tinha por capricho de envernizá-las, e as usava para poder acender velas durante à noite, onde permanecia até a madrugada escrevendo e conversando consigo mesmo.Sua mesa era uma lápide de um túmulo roubada da necrópole. Pertencia à uma bela jovem que havia falecido prematuramente. A macabra mesa, já um pouco desgastada pela ação do tempo, inspirava o poeta a mergulhar no lúgubre mistério da própria morte. Em volta, forrando as paredes, estendiam-se desenhos e estampas raras com cenas cruéis de torturas medievais e do Santo Ofício. Gravuras da “Divina Comédia”, em especial, o inferno. Cenas de grandes genocídios e massacres sangrentos de guerra onde destacavam-se pela idéia do barbarismo exagerado da própria história da humanidade. Destacavam-se também desenhos e nomes de cemitérios junto à imagens sobre a peste negra que devastou a Europa na Idade Média.Tinha em particular profundo interesse por magia negra e feitiçaria, juntando um material significativo a este respeito como livros contendo orações, encantamentos e métodos de se fazer o pacto com o diabo, vodu, malefícios de cera, esconjuros, sacrifícios com sangue, missas negras, orgias, etc. Esta sinistra sala de estudos guardava relíquias que poucos acadêmicos ousaram colecionar, como por exemplo frascos contendo venenos mortíferos das mais diversas variedades, além de armas bizarras feitas em aço como punhais afiados, lâminas enferrujadas, navalhas e facas pontiagudas, além de espetos de ferro e canivetes com os cabos muito bem entalhados, artisticamente falando.Tudo ali completava o sinistro cenário do louco que debruçava-se horas à fio na tradução inédita de Byron, por exemplo. E “Lara” foi uma das obras por ele traduzida do original em inglês para o português:“Tem tudo num desprezo de contínuo como quem já passara o mais funesto. Parece um forasteiro pelo mundo ou fantasma, que os túmulos lançaram de sombrio pensar como quem busca riscos por gosto, e apenas lhes escapa.”As estrofes fervorosas compostas pelo labarum da civilização, modelo apolíneo de toda idéia de horror gótico levado a um extremismo fantasmagórico ou satânico, impunha seu respeito e grandeza também para a língua portuguesa através do esforço de Tibúrcio Craveiro, um afeiçoado byroniano que dedicou boa parte da sua vida adulta na mais profunda produção de material literário ligado à melancolia romântica. E prosseguia Tibúrcio Craveiro na tradução de Byron:“Meia-noite, repousa tudo, a lâmpada tem erma luz lutando com as trevas...”A hora das bruxas e dos vampiros, espectros e demônios, criaturas malfazejas parecem imporem uma imediata realidade sobrenatural onde a insignificante luz da chama de uma lâmpada (lamparina ou vela para a época) parece relutar com as trevas espessas da noite onde reina em absoluto a solidão e o silêncio... Distante da turba, o poeta parecia mergulhar no universo byroniano transformando a inspiração num novo método de absorver as principais idéias. Criando um novo e mais lúgubre universo, o chamado Craveriano, muito mais complexo e sinistro no que diz respeito ao horror. Afinal, pelas paredes e tetos também costumava desenhar imagens de esqueletos, múmias, caveiras, cabeças decepadas de índios massacrados nos conflitos aqui nas Américas, com os espanhóis em especial, e os portugueses.As obras catalogadas por Tibúrcio Craveiro diziam a respeito de grandes desastres que assolaram o mundo como terremotos, epidemias de doenças, erupções vulcânicas com excessivo contingente de vítimas, e toda sorte de horror em grande escala.Também como já citei, a tortura tinha um registro presente em todo este arsenal maquiavélico onde os principais métodos de crueldade eram inspiração para projetar outras maneiras ainda não exploradas da maligna prática.É realmente curioso, afinal o que leva um indivíduo genial a colecionar objetos e símbolos tão hediondos que invocam a mancha negra do mal encravada na alma dos homens?Realmente é assustador Ter um vizinho assim, estranho ao mundo e ao belo que a vida pode oferecer, ainda que utópico e enganoso do ponto de vista da realidade e felicidade, duas palavras que jamais poderão ser sinônimos!Indivíduo raramente acompanhado com a imagem agradável de uma bela mulher. Parecia que aqui também havia uma mágoa rancorosa e profunda...Com certeza é quase impossível compreender o temperamento desta figura tão rara e curiosa ao mesmo tempo, que também era um profundo conhecedor de demonologia, material raro produzido pelo papa urbano.Tinha um projeto que ele mesmo achava ousado, pois a idéia era formar futuramente uma seita byroniana de escritores, onde os mesmos pudessem se reunir numa estalagem denominada “A caverna do sangue”, um nome nada convidativo para uma visitação... Ali poderiam ser praticadas todas as experiências de natureza mais ousada, como missas negras, sabás medievais seguido de orgias luxuriosas com prostitutas dispostas à empreitada sinistra, reuniões onde cada integrante pudesse colaborar com doações de livros raros e garrafas de bebidas como vinho, conhaque, cognag, etc.Mas a idéia parece ter ficado só em projeto pois não se encontraram ainda registros sobre estas reuniões, muito menos obras produzidas por estes loucos. Parece que o título “A caverna do sangue” ficou mais relacionado ao próprio aposento do poeta, que em cada peça ali guardada parecia invocar todas as chagas de câncer incuráveis da humanidade.Com o passar do tempo, Tibúrcio Craveiro foi tornando-se definitivamente um ser anti-social, desligando-se das principais instituições públicas que participava. Afastou-se também do convívio humano, característica de todo byroniano brasileiro, tragado por profundas melancolias oriundas da própria reflexão filosófica de indivíduos desta natureza. Já doente, seu semblante tornara-se carrancudo, mal encarado, lembrava o ídolo Maloch, deus pagão, onde sacrificavam crianças ao seu culto, na Mesopotâmia.Sofrendo de uma enfermidade, voltou à Europa para encontrar um diagnóstico para o seu mal, mas encontrando dificuldades, sua doença agravou-se. Mesmo doente, publicou um “ensaio sobre a tragédia”, em Lisboa no ano de 1843, depois partiu para Açores em julho de 1844.Seu espírito inquieto de byroniano louco, excêntrico de um extremismo romântico impressionante, agora também tomado por dois males distintos e significativos, sua enfermidade, a epilepsia seguida de graves complicações, e o amor, a paixão ardente por uma bela mulher, impossível de conquista. Estes dois fatores fatais somaram-se para dar um fim no poeta. Tibúrcio Antonio Craveiro suicidou-se, seu corpo foi desembarcado na ilha de São Jorge, onde foi sepultado.Por fatalidade, a maioria de seus escritos voltados para a filosofia e a literatura gótica e romântica, extraviaram-se perdendo-se com o passar do tempo.Seu próprio nome ficou no anonimato, talvez mesmo como se fizesse valer seu próprio desejo de desdém e indiferença a um mundo traiçoeiro e repleto de males, onde jaz infalivelmente a civilização que chafurda numa impressionante escalada para a infelicidade geral.Sua sensibilidade de poeta fez com que o mesmo estudasse os males do mundo, não por ele ser um monstro, mas o mundo externo apresentar motivos de sobra onde o horror é sempre horror...Que sua alma de poeta repouse no Parnaso onde junto com todos os outros escritores possa nobremente encontrar o sono merecido.Fica neste escrito o registro de homenagem de um homem que há mais de 150 anos já estudava e se identificava com a arte do horror, que hoje é um culto significativo em quase todo o mundo. Através não só de obras literárias mas também do cinema, revistas, gibis e fanzines de alto nível especializados no assunto.Se Tibúrcio Craveiro vivesse hoje, com certeza seria um dos nossos...
Marcos T. R. Almeida
N.E.: Esse artigo foi publicado originalmente no fanzine “Juvenatrix” # 46 (Agosto de 2000).

LORD BYRON E SUA HERANÇA AO UNIVERSO GÓTICO DO TERROR


E co’a taça na mão e o fel nos lábios zombaremos do mundo! – Álvares de Azevedo


Lord Byron é hoje, uma lenda remota que muito pouco é lembrada nos meios acadêmicos da Literatura e da História, e sua vasta obra dificilmente será encontrada à venda nas livrarias de qualquer lugar do Brasil, sendo que o pouco que se encontrar estará na maioria das vezes escrito no inglês original ou francês, dificultando assim ao interessado que não domine outros idiomas de aprofundar-se em seus escritos.
Com muito custo e às vezes por acaso, encontramos algum material de sua autoria, então através desses fragmentos vamos juntando todas as peças que compõem o “quebra-cabeças”...
Após um longo tempo de estudo e pesquisa desta figura curiosa, vejo surgir então o seu vulto espectral de perfil apolíneo que está por trás de todo o mito de terror, em destaque “Drácula” e “Frankenstein”.
Byron foi um testemunho vivo do nascimento da imortal obra de Mary Shelley intitulada “Prometeu Moderno” ou “Frankenstein”, e tudo parece ter começado por volta do ano de 1816 quando o poeta reunia-se com seus amigos numa bela mansão ao lado do lago Lemano, em Genebra.
Entre estes ilustres amigos destacam-se nomes que também garantiram popularidade no mundo das letras como Polidory, Shelley, Mary Shelley e Lewis, os quais discutiam como intelectuais que eram, os mais variados assuntos ligados à literatura e às artes em geral, em especial o assunto voltado para o medo e o terror.
Byron lia fervorosamente um raro volume de literatura alemã intitulada “Fantasmagoriana” que entusiasmou deliberadamente seus amigos ouvintes a ponto de os mesmos promoverem uma espécie de concurso para avaliar dentre eles, quem seria o melhor a produzir um conto de terror ou uma obra qualquer no gênero que alcançasse tamanha grandeza.
Então este grupo incomum de indivíduos puseram as suas inspirações no papel num cenário perfeito para um conto de terror, pois as fortes tempestades das últimas noites e as ventanias agitavam as ondas do lago e os trovões estremeciam os arvoredos próximos a casa do poeta Shelley, amante de Mary Shelley. E foi Shelley o primeiro a escrever um relato de terror intitulado Anatomia, inspirado em suas lembranças de infância. Polidory compôs uma história de horror onde uma sinistra mulher com rosto de caveira surgia da escuridão para fazer o mal. Mary Shelley superou todos os seus amigos produzindo o primeiro esboço de sua obra “Frankenstein”, que seria publicado no ano de 1818. E por fim, Lord Byron escreveu uma história de vampiros...
Aqui começa definitivamente um dos mais terríveis pesadelos que tomaria ainda maior força ao serem absorvidas quase todas estas idéias, somadas é claro, a genialidade e outras fontes históricas, por Bram Stoker para a elaboração de seu “Drácula”, que seria publicado por volta de 1897.
Vê-se aqui, que sobre os auspícios de Lord Byron, dois grandes mitos do horror vêem à luz de quase uma só vez. Monstros e vampiros assim vão tomando gradualmente a verdadeira forma sob lúgubre atmosfera gótica daquelas reuniões em noites de tempestade na casa do poeta Shelley, em Genebra, na Suiça...
Byron, fascinado com o mito do vampirismo escreveu os seguintes versos do qual eu extraí alguns fragmentos significativos. Observem como a presença de um vampiro é explicitamente evocada de forma quase absoluta:
“Primeiro, o vampiro na terra da cova teu cadáver será arrancado. Perseguido terrivelmente, vagarás sugando o sangue de toda a tua raça. De sua filha, sua irmã e mulher. À meia-noite a fonte de vida secarás, embora repugnado o banquete que necessariamente alimenta teu vivo cadáver. Tuas vítimas são as que vão espiar e conhecer o demônio como mestre, rogando muitas pragas a ti e ti a eles. As flores murcharão nas tuas hastes...”
Aqui vai uma nota de grande relevância, o poema parece ter sido publicado em 1813, provando que o tema sobre “vampiros” já há muito povoava a mente do poeta.
Quanto à história sobre vampiro por ele produzida naquelas noites do ano de 1816, parece que o assunto só foi retomado mais uma vez por se tratar de forte impacto sobrenatural, causando no espectador um envolvimento direto com o tema lúgubre do vampirismo.
Provavelmente, anos mais tarde o amigo de Byron, Polidory, escreveu e publicou um conto sobre vampirismo baseado nas anotações da história contada por Lord Byron, daquelas reuniões em noites de tempestade. Mas a ligação do vampirismo com Lord Byron se dará de forma mais explícita, quando bem mais tarde Bram Stocker, após pesquisar toda a literatura gótica de autores como Le Fanu, Walpole, Mary Shelley, Polidory e culminando ainda no medieval Shakespeare, faz uma ligação com o Drácula histórico da Romênia, antiga Transilvânia, com Vlad Tepes...
O conde Drácula, de Bram Stocker, parece um descendente do conde Lara, de Lord Byron, pois o cenário onde passa-se todo o enredo assemelha-se muito em estilo. Ambos possuem uma atmosfera lúgubre de mistério e terror, um castelo incomum e a imagem da sensualidade feminina muito presente em ambas as obras.
Porém, no caso de Drácula, a coisa toma um sentido muito mais profundo, diretamente ligado à questão do sangue, pois o sangue é vida e Drácula só sobreviverá se beber sangue humano, de preferência de belas mulheres...
Esta relação de sedução, amor e sexo de um vampiro com sua vítima, também possui um perfil Byroniano, pois Lord Byron foi um grande sedutor que deflorou muitas mulheres e em “Don Juan” essa questão torna-se explícita!
O próprio Byron era um “Don Juan”...
Parece que por detrás de Drácula, de Bram Stocker, e Frankenstein, de Mary Shelley, a sombra irônica e zombeteira de Lord Byron levanta esvoaçando ao vento sua capa de lord sombrio.
Mas o mito Byroniano não fica tão somente preso a estes dois personagens, que são dois gigantes episódios da literatura fantástica e de horror. Pois vai muito mais além da nossa compreensão, talvez por abranger cenários ainda mais estranhos e distantes do entendimento comum dos mortais. Na abadia onde vivia Lord Byron, corria-se a lenda que era mal assombrada e que fantasmas e espectros vagavam noite adentro. Dentre estes sinistros fantasmas, um deles destacava-se com seu capuz preto. Byron afirmava aos seus amigos e convidados que o visitavam, que diversas vezes já tinha visto o fantasma pelos corredores e pelas salas.
No quintal da abadia existia um pequeno cemitério onde os antigos habitantes já mortos ali jaziam lado a lado.
Conta-se, segundo relatos da biografia do poeta, pesquisada e escrita pelo ilustríssimo André Mourais, da Academia de Letras da França, que não raras vezes, quando o jardineiro cavava para arrumar ou plantar alguma flor, encontravam-se alguns desses ossos. Certa vez, encontraram um crânio humano. Imediatamente os jardineiros levaram à Lord Byron, que riu ironicamente e em seguida mandou a um joalheiro com o intuito de transformar aquele crânio em uma taça macabra. A taça ficou idêntica a do Príncipe Cures dos Piezenigos, aquele que o Sr. Albino Forjaz Sampaio cita em seu texto sobre o ódio, onde o crânio de Suatislão transformou-se numa taça entalhada com a seguinte inscrição: “Perdeu o próprio buscando o alheio”. A taça de Lord Byron era muito semelhante a essa. Mas a inspiração central para o entalho da macabra taça, vinha também dos costumes dos reis lombardos da idade média.
A taça ficou sendo assim uma espécie de símbolo místico onde a imagem do próprio Byron transparecia como um pano de fundo. E nesta taça de crânio bebia-se conhaque e vinhos de boa safra.
Inspirado nesta taça, Byron compôs um sinistro e horripilante poema que mais tarde, aqui no Brasil, o nosso também ilustre poeta Castro Alves traduziu ao seu modo para o português. Aqui vai o poema lúgubre de Byron:

À uma taça feita de crânio humano – de Byron, traduzido por Castro Alves

“Não recues! De mim não foi-se o espírito em mim verás – pobre caveira fria – único crânio que ao invés dos vivos só derrama alegria. Vivi! Amei! Bebi qual tu: na morte arrancaram da terra os ossos meus. Não me insultes! Empina-me!... Que a larva tem beijos mais sombrios do que os teus. Mais vale guardar o sumo da parreira do que ao verme do chão ser parto vil – taça - levar dos deuses à bebida que o pasto do réptil. Que este vaso, onde o espírito brilhava, vá nos outros o espírito acender. Ai! Quando um crânio já não tem mais celebro podeis de vinho encher! Bebe, enquanto ainda é tempo! Uma outra taça quando tu e os teus fordes nos fossos pode do abraço te livrar da terra. E ébria folgando profanar teus ossos. E por que não? Se no correr da vida tanto mal, tanta dor ali repousa? É bom, fugindo à podridão do lodo servir na morte enfim para alguma coisa!...”

Sejamos francos! É um tanto irônico e sinistro ao mesmo tempo, pois este poema é uma relíquia autêntica de Byron, inspirado no episódio da taça de crânio.
Para completar este horrendo quadro, alguns amigos do Lord, os que frequentavam a sua abadia, vestiam alguns deles, túnicas e capuzes, e depois que todos bebiam em comunhão um bom vinho na mesma taça, divertiam-se com as belas raparigas que trabalhavam como empregadas na abadia e tudo acabava numa irreverente orgia, onde luxúria e prazer eram o pano de fundo do horror...
A imagem do Lord tornou-se um símbolo de culto por toda a Europa. Grandes personalidades ligadas ao mundo das artes passaram a admirar Byron não só por suas excelentes obras, mas também por sua postura superior de anti-herói satânico.
Destacam-se Goethe, Henrrique Heine, Frans Liszt, Garret, Bocage, Beethovem, Schopenhauer, Nietzsche, e tantos outros!
Byron tornou-se uma espécie de luz no qual todos os grandes homens passaram a seguí-lo, imitá-lo, por encontrar nele a resposta em relação à tragédia humana.
Aqui no Brasil a coisa também foi fervorosa e sua influência “maléfica” alojou-se aqui na antiga Cidade de São Paulo.
Álvares de Azevedo foi seu maior representante além dos macabros Tibúrcio Craveiro e Fagundes Varella, entre Castro Alves e Aureliano Lessa.
Por aqui estudantes mais excêntricos também faziam taças com crânios roubados do antigo cemitério da Consolação!
Bebiam conhaques e vinhos nestas taças, imitando a sinistra atitude do lord sombrio, eles usavam trajes típicos todos em preto, de luto da cabeça aos pés, como postura melancólica e rebelde de estar de luto pela vida toda em si mesma. Fumavam charutos e viviam com um sorriso cínico nos lábios, mas sempre na essência, tristes... Invocavam à Satã, o príncipe rebelde, como uma atitude em relação às crenças católicas da época. Assim descriam e zombavam do tirano Jeova ou Deus.
Uma das obras de Byron que o consagrou como poeta maldito foi aquela intitulada “Caím”.
O escultor Giovanni Dupré (1817-1882) foi um admirador de Byron e deixou-nos uma obra um tanto sinistra intitulada “Caím”. Provavelmente ele leu a obra homônima de Byron e fez um paralelo com a bíblia... Os gestos de criminoso réprobo com um dos braços levantados sobre a testa como se desafiasse o próprio Deus matando sua criação... Esta escultura é um tanto pesada, nos dois sentidos...
Mas o universo Byroniano é ainda muito mais profundo que tudo isso que eu lhes disse pois se constitui de dramas, intrigas, guerras, saques, amores e paixões por belas mulheres, vampiros, fantasmas, tempestades, solidão, oriente, poesia e profunda filosofia pessimista em relação à vida e à morte e em relação às mulheres é claro, pois Byron conhecia profundamente o caráter volúvel e superficial de toda alma feminina! Amou muitas delas, mas nenhuma lhe falseou o princípio eterno e inamovível de que todas eram egoístas. Suas aventuras com elas ultrapassou os escândalos mais comuns da sua época. Praticou a bela arte de amar, como chamou Ovídio ao prazer sexual, até com sua meia-irmã, que gerou uma criança desta relação incestuosa.
No final da vida alistou-se no exército que lutaria em defesa da Grécia, que estava sobre o domínio Othomano.
Então, por uma espécie de “casualidade do destino”, Byron morreu combatendo estes, como na idade média Vlad Tepes Drácula morreria também em combate aos Othomanos! Novamente a sinistra ligação de Byron com Drácula...
Viveu somente 36 anos, mas que lhe valeram uma vida de 100 anos, tal foi a maneira que o gênio soube preenchê-los, com amor, arte, aventura, poesia, sacrifício, e filosofia!
Ele mesmo, em um de seus escritos diria que: “Poucos homens viveram mais do que eu, Lord Byron!”
No filme da Universal, o clássico “A Noiva de Frankenstein”, logo no começo em uma das primeiras cenas, aparece Byron na janela da casa do casal Shelley... Ele observa os trovões da tempestade fumando um charuto, zombando de Jeova com suas “setas vingadoras”, os raios que estavam nos céus!...
Figura impressionante e sempre atual, Byron é o labarum da civilização, talvez o seu nome ou título em si mesmo já esteja quase esquecido, devido, é claro, à degeneração cultural em que mergulha o mundo. Mas sua contribuição ao universo do terror, esta não poderá jamais passar desapercebida!...


Marcos T. R. Almeida

N.E.: Esse artigo foi publicado originalmente no fanzine “Juvenatrix” # 38 (Outubro de 1999).

sábado, 19 de janeiro de 2008

FAGUNDES VARELA "O VISIONÁRIO BYRONIANO"



“Eu amo a noite com seu manto escuro. De tristes goivos coroada a fronte. Amo a neblina que pairando ondeia. Sobre o fastígio de elevado monte...” – Fagundes Varela

O passado é uma fonte abundante e de inesgotáveis tesouros, e sabemos disto porque tudo que é grande e elevado, está exatamente lá, envolto pelas sombras e às vezes esquecido ou até na maioria dos casos, perdido para sempre. Então nossa missão torna-se um desafio que requer o máximo de abstração, pesquisa e sensibilidade para buscar este passado e projetá-lo no presente, sem deturpar a memória.

E foi nesta busca pelos “tesouros perdidos” que deparei-me com o nome do poeta Fagundes Varela, um dos byronianos mais fervorosos de seu tempo. Sua sombra projetou-se pelos quatro cantos da antiga província de São Paulo, em uma época onde a maior parte destas paragens eram campos desertos recobertos de mata, florestas e algumas fazendas dispersas nos arredores do centro.
Visionário e profundamente admirador de Álvares de Azevedo, o poeta Fagundes Varela surpreende-nos ao escrever o seguinte verso:

“Nasci pobre, este delito, seguiu-me toda a existência... sob o teto de uma choça, de que serve a inteligência?”
Profundo pensamento de uma consciência apurada a cerca da realidade do qual estava imerso e no entanto sua inteligência triunfou legando ao mundo uma extensa obra de inestimável valor. Mas Varela, como todo visionário profundo, amava a noite, e mergulhado naquela escuridão sombria das noites de seu tempo, é que ele aspirava toda aquela fantasmagoria romântica:

“Passai, tristes fantasmas, que são feitos das mulheres que amei...”

Ou ainda de uma maneira mais profunda, ele se vê mergulhado num conflito existencial:

“Mas ai! A cada passo, a vida nos demonstra, embora da esperança cintile a chama pura, que há dores tão profundas, pesares tão rebeldes, assim como há moléstias mortíferas sem cura!”

Vagou como um louco por todos os interiores do Estado de São Paulo. Mergulhou no desvario fascinado pelas noites destas belas paragens.
Aqui, na antiga província de São Paulo, também perambulou como um andarilho, não só pelo centro mas também por todas as antigas paragens onde hoje denominamos ABC. Por aqui, ele mergulhado no seu desvario byroniano, invocou em seus poemas, às sombras de arvoredos, os intensos nevoeiros, as garoas cinzentas, as noites de tempestades, os trovões, os pássaros noturnos, os insetos, os fantasmas, enfim, tudo que uma alma romântica percebe na sua aguçada sensibilidade, ele soube transpor. Claramente!
Mas esta curiosa figura byroniana surpreende-nos não só pelas suas obras, mas também por seu comportamento um tanto enigmático.
Em sua humilde residência, possuía uma “biblioteca um tanto exótica”, que segundo relatos da extraordinária obra de Pires de Almeida intitulada “Escola Byroniana” , esta biblioteca era composta não necessariamente por livros raros mas “uma formidável bateria de garrafas contendo bebidas fermentadas de todas as procedências”.

Acredita-se que ao degustar de tão enebriantes bebidas, o poeta inflamava-se de exótica inspiração e escrevia estrofes de profundos pensamentos transformados em belas poesias!

“Demais esses vinhos soltam o verbo para os surtos da eloquência...”, argumentava o próprio Varela aos seus visitantes, e em uma dessas inspirações equiparadas a um Byron, Azevedo, ou Edgar Allan Poe, o poeta descreve as seguintes estrofes (sintam a profundidade dos seus pensamentos nestes fragmentos inéditos):

“Sei que esta idéia que me abrasa a mente, que minhas noites de amargor tempera, se apagará na quietação algente da fria lousa que meu corpo espera. Morrer!... No seio rebentar de todo sentir da vida, o complicado nó gelar-se aos poucos, repousar no lodo e em breve tempo desfazer-se em pó!... Morrer!... Um mundo conhecido, embora amargo e negro, abandonar sem medo por uma noite que não tem aurora, por um deserto pavoroso e tredo! ... Oh! Se eu ao menos encontrar pudesse, nos tristes ermos deste ingrato mundo, formosa imagem que minh’alma erguesse, às santas aras de um amor profundo!... Mas ai! Refúgios eu procuro em vão! Coração de mulher é como um lago, recebe todas as impressões que dão, mas nenhuma conserva, é sempre vago! Para onde foste com teus loucos sonhos, fatais quimeras com que a vida enlevas, e me abandonas em pavis medonhos, meu pobre leito mendigando as trevas?”

Mas Fagundes Varela era muito mais que um poeta, era um filósofo também, um pensador profundo, um louco como chamavam-no. Sua figura sempre trajando preto era muito curiosa de se ver e o seu olhar penetrante revelava um universo repleto de spleem, torturas, angústias, dores sem fim, medo e revolta. Mas tudo isto, vejam os senhores, era transformado em arte e beleza. A poesia nascia de cada olhar fito nos céus, fazendo valer aquela frase do velho francês Victor Hugo, muito admirado por Varela:

“Meditar é trabalhar! Pensar é obrar e o olhar fito no céu já é uma obra!...”


Marcos T. R. Almeida

N.E.: Esse artigo foi publicado originalmente no fanzine “Juvenatrix” # 44 (Maio de 2000).

sábado, 12 de janeiro de 2008

O Espírito Byroniano

Sempre apontei Byron como um exemplo prático para inspirações que nos conduzam á um ideal de grande arte ou prazer,o espelho fiel para um poeta visionário que mergulha dentro das possibilidades da vida e dos contrastes da morte e assim extrai da essência das coisa varias faces da verdade.
A dor byroniana,conflito individual do homem em profunda batalha de vida ou morte por um lugar entre os eleitos,ganha uma proporção na dimensão do universo,o ardor do entusiasmo em eterna busca pela beleza e o tédio que se vai formando quando o individuo percebe que esta perdido no turbilhão apressado dos tempos modernos,o contraste deste jogo de perdas e ganhos toma rumos inusitados quando verdadeiramente se vê inflamável de espírito e febre byroniana.
Tudo então consiste em considerar todas as tentativas de fazer a vida valer em limites humanos que são ilustrados por fantasias e sonhos que culminam em amores e prazeres mais ousados onde poucos alcançaram tamanha investida.
A busca pela liberdade plena onde os prazeres sexuais desfrutados nas orgias baquianas transportam os neófito a estados de êxtase dionisico,encontra no perfil byroniano de pensamento,um vasto campo a ser explorado,onde as possibilidades para realização das mais secretas fantasias ganha forma do real!


O espírito byroniano aspira solidão plena,mais por força precisa de boa companhia para falar a ela dessa estranha solidão,deste distanciamento natural do mundo real,onde a complexidade do comportamento humano chega no âmago do mistério.
Esta força centrada no espírito cria o prototipo de personagens que carregam em si mesmos um mar revolto de todas as paixões loucas,desenfreadas e alucinadas,onde se quer sempre mais e mais do melhor,do belo e do exotismo extravagante.
A moda Byron traduz no semblante de um rosto onde um traço Voltairiano parece rir ironicamente zombando do mundo em sua volta,numa atmosfera de melancolia onde a indiferença perante o malogro das paixões podem ser superados mudando de objetivo.
Este desafio às forças que regem o destino dos homens,este ar de réprobo à desafiar as hordas celestiais onde reina um Jeová rancoroso e vingativo pronto a condenar aos infernos,do mais humilde pecador ao mais perverso,esta postura típica dos personagens byronianos ganham então cada vez mais os gestos de rebeldia indolente!



A elegância e um orgulho individualista,traduz na excentricidade dos trajes a típica figura surgida num tempo em que ser espontâneo era sinonimo de um individuo fora dos padrões normais de comportamento humano dentro da sociedade.
O espírito byroniano possui a altivez em desafiar o destino e as forças que regem nossa ventura no mundo,sabe de ante mão que perecera,mais é capaz de fazer deste episódio um grande drama universal!
Num clima as vezes fantasmágorico,povoado de almas penadas,vultos encapulsados,visões atormentadas por seres oriundos das trevas,o personagem byroniano erra como um homem que se vê perseguido por todos os reveses de pragas e maldições e como um herói enfrenta todos os males,ate que Apollo venha coroar sua cabeça com louro da vitóriaPorém as angustias existenciais as vezes acompanhadas de profundo horror vindo do alem,tormentos de um inferno onde Satã é senhor,tudo se molda numa tortura sobre humana onde poucos conseguem sobressair e essas angustias que são formadas por queixas e duvidas somam se frustrações dos amores perdidos e impossíveis,e de tudo,deste grande amalgama de emoções humanas nasce então um vingador.Este protótipo libertador,labarum que traz em punho a espada sarracena declara guerra e desce aos campos de batalha,tem um porte mediano,coragem e ousadia e no meio de tantas investidas,resistindo ao furor das tempestades ele conquista para si somente o melhor e o mais belo ideal.

O exotismo do oriente e outro desafio em compreender a forma e a maneira do arquétipo Árabe metido em haréns repletos de escravas das mais diferentes nacionalidades e etnias,onde através do ritmo e da dança a música oriental revela no perfil de belos corpos femininos o prazer da dança do ventre,onde a serpente Lilith revela o seu poder sensual de sedução erótica.
Desta sensação extremamente diversificada,de um exotismo clássico a desafiar o comportamento ocidental,o oriente é certeiramente o tema ideal e perfeito para localizar os personagens protótipos do byronismo.
Viver intensamente,verdadeiramente,todas as emoções fortes desde as orgias,prazeres e festas,ate as lutas e guerras,os desafios tempestivo enquadra perfeitamente nesta visão universal de mundo onde o todo é fusão de todas as paixões e ambições humanas.
O espírito byroniano errante e eterno há de reviver dentro de todo aquele individuo que como próprio byron ou seus personagens protótipos aspiram liberdade plena,horizontes,mares,viagens e paixões e impregnado pelo eterno feminino encontrará em cada nova musa ou ninfa,o caminha q leva definitivamente ao culto e adoração de Vênus ou Lilith,ate que satisfeitos pelos êxtases da vida á justificativa da existência gravará no mármore polido as obras mais significativas do que compõem de fato o viver em todas as suas modalidades e expressões.
Apollo é o mediador deste perfil e o signo de Aquário é o regente desta revelação byroniana dentro do espírito humano!